O Brasil perdeu, na figura do ex-vice-presidente José Alencar, uma das mais ternas, lutadoras e autênticas personalidades públicas. Seu principal legado, para mim, foi desmistificar o câncer, entrando e saindo de hospitais, ao longo de 12 anos, sempre com um sorriso nos lábios. Associo-me às condolências pelo passamento dele e transmito a Dona Mariza, esposa, e Josué, filho, empresário representativo, com quem encontrei algumas vezes na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), os mais sinceros votos de pesar.
O ex-vice-presidente, como muitos, acreditava que os juros baixariam por decreto. Eu não. Há muitos no Governo, hoje, acreditando que isso é possível. A realidade das coisas mostra, no entanto, que somente com uma reforma fiscal séria e abrangente, com diminuição do valor empregado em custeio pela administração federal, poderá reverter a situação para valer. Sem reforma – e para reformar é preciso empenho, dedicação, mais até que vontade política –, o remédio para evitar a volta da inflação é essa política econômica que aí está, com aumento da taxa de juros todas as vezes que os índices de crescimento acenderem o sinal amarelo. E o Brasil perde oportunidade preciosa de crescer e combater a miséria interna.
Fui convidado, como todos os líderes, sem qualquer discriminação partidária ou de posicionamento político, para acompanhar José Alencar nos funerais do ex-governador Leonel Brizola, por quem eu tinha grande admiração. Passei a noite praticamente em claro. Estava cochilando na poltrona quando fui chamado à cabine do vice-presidente. Queria discutir minhas opiniões sobre os juros. Notei a disposição para o debate, paixão pelo contraditório e, sobretudo, a vontade de estender o campo de visão e o conhecimento. Cochilei mais de uma vez conversando com ele e todas as vezes recebia um cutucão: “Nada disso. Fique acordado que agora é minha vez de falar”, dizia-me, bem-humorado.
Quando ele reclamava dos juros, dentro do Governo, achando que era possível reduzi-los por ordem palaciana ou vontade ministerial, enfraquecia nossa luta no Congresso Nacional por reformas mais profundas. Era impossível deixar de admirar-lhe a postura indócil de empresário, ainda assim, ao mesmo tempo em que assumia a Presidência da República sem subverter o comando da Nação ou a lealdade ao presidente Lula.
Não conheço a mãe, nem a moça que reclama sua paternidade. Sou, por isso mesmo, o sujeito mais isento para criticá-lo por sequer permitir o exame de DNA. Foi duro e deu um exemplo muito ruim à Nação nesse episódio. Tinha defeitos, portanto, como todo ser humano.
José Alencar foi empresário, fundador de uma vendinha no interior mineiro, aos 18 anos. O pai teve que antecipar o fim da tutela relativa para permitir que se tornasse dono, de fato, do negócio. A partir daí criou uma das maiores cadeias de lojas em Minas. Entrou, depois, para o ramo da indústria têxtil e contribuiu enormemente para colocar o Brasil entre os grandes fornecedores mundiais de tecidos.
Mas foi a forma como enfrentou o câncer, até então um tabu para os homens públicos brasileiros, que o fizeram admirável perante a opinião pública nacional. Os médicos reconhecem que a postura dele, a força interior, contribuíram para esse recorde no convívio com a doença.
José Alencar foi um guerreiro.
* O autor é diplomata.
DANIEL MACIEL
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