Por que a Síria de Bashar al-Assad é tão importante para Rússia de Vladimir Putin

Analista afirma que a última coisa que Moscou quer é deixar que o governo sírio caia e que o poder possa ser tomado por um ou mais grupos jihadistas.

Por BBC

16/04/2017 19h09 Atualizado há 3 horas



Putin tem um grande capital político, estratégico e pessoal investido em seus laços com o governo sírio (Foto: Sergei Chirikov/Pool/AFP)

A atitude do presidente russo Vladimir Putin de apoiar o regime de Bashar al-Assad na Síria tem incomodado cada vez mais o Ocidente. Na terça-feira, os chanceleres do G7, grupo que reúne as nações mais industrializadas do planeta, alegaram não terem a intenção de "isolar ainda mais a Rússia no cenário internacional" ao decidirem não impor novas sanções contra Moscou por sua aliança com o governo sírio.


No entanto, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Rex Tillerson, está em Moscou para pressionar o presidente Vladimir Putin a parar de apoiar Assad, a quem o Ocidente acusa de ter realizado um ataque com armas químicas contra civis na semana passada.


Os esforços de Tillerson, que, no passado, tinha boas relações com o Kremlin, podem ter resultados irrelevantes - não só porque os russos já não veem mais riscos de sanções prejudiciais, como também pelo profundo compromisso de Putin com a Síria.


O presidente russo não está necessariamente ligado a Assad. Ele inclusive chegou a criticá-lo durante entrevista ao jornal alemão Bild, em 2016. "(Assad) cometeu muitos erros durante o conflito. Vocês e eu sabemos que o conflito não teria alcançado tal amplitude se desde o início não tivesse sido alimentado a partir do exterior por enormes quantidades de dinheiro, armas e combatentes", disse Putin na época.


Mas certamente o presidente russo não quer ver o colapso do governo de um país no qual tem interesses estratégicos, políticos e pessoais, além de ter feito um grande investimento militar e econômico.




Estratégia




"A intervenção na Síria, combinada com a vitória eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos (que muitos atribuem a uma manipulação de Moscou) é o maior sucesso de Putin nos últimos anos", disse Famil Isamilov, editor de notícias do serviço russo da BBC.


Após as sanções impostas pelo governo do ex-presidente Barack Obama e da União Europeia, depois da anexação da Crimeia e do conflito na Ucrânia, o Ocidente tinha virado as costas para Moscou. A Rússia estava a caminho de se tornar um país isolado.



"Com a sua intervenção na Síria, Putin deu as costas a essa situação. Ele abriu um espaço internacional de prestígio para ele e para a Rússia", disse Ismailov. "Ele era um líder na luta contra o terrorismo, bem como o único capaz de resistir à imposição dos Estados Unidos no mundo."


O analista de política internacional e especialista no Oriente Médio, Mariano Aguirre, concorda que a última coisa que Moscou quer é deixar que o governo sírio caia e que o poder possa ser tomado por um ou mais grupos jihadistas.


"Moscou teme que a Síria se torne uma 'zona livre' para este tipo de milícias e que elas passem a coordenar e operar com radicais islâmicos na Rússia", disse o analista internacional à BBC Mundo.


"Em princípio, (Putin) se recusa a aceitar que há uma 'mudança de regime' político através da força - como aconteceu na Líbia em 2011 - e menos ainda que a mudança possa ser conduzida a partir do Ocidente", disse Aguirre.




Política




Em termos de interesses políticos, Putin equilibra dois elementos: nacionais e internacionais.


Quanto à política externa, com a sua aliança com o governo na Síria, a Rússia retorna à briga pelo Oriente Médio, depois de estar muito tempo marginalizada.


"O regime sírio, não necessariamente Bashar al Assad, é um aliado na região onde você quer ganhar peso", Aguirre disse, embora afirme que esse peso é relativo.


"Os poderes verdadeiros na região são locais: Irã, Israel, Arábia Saudita e Turquia. Nem os Estados Unidos nem a Europa ou a Rússia têm hoje o peso que teve nos dois séculos anteriores", explicou. "Hoje, a influência é conseguida através de alianças com as autoridades locais".


Embora isso seja complicado pela volatilidade e complexidade de interesses, Famil Ismailov assegurou que Moscou está surgindo como um "player" importante na região.


"Muitos países do Oriente Médio têm se voltado para a Rússia para dar assessoria, treinamento e armas", disse o editor do serviço russo da BBC.


"Em primeiro lugar, o Irã é praticamente o mais forte aliado de Moscou. Mas representantes do governo na Líbia, Egito e Líbano recentemente também viajaram a Moscou", disse ele.


O rei da Jordânia viajou em janeiro para formular estratégias para combater o terrorismo na região e discutir questões de cooperação econômica.


Mesmo a Arábia Saudita, vista como o país da região mais próximo do Ocidente, iniciou negociações com a Rússia pela primeira vez em muitos anos para procurar estabilizar o mercado de petróleo.


Mas, para além desta nova estrutura no cenário internacional, o que acontece internamente é que a sua imagem dentro da Rússia é muito importante para o presidente.


Do ponto de vista russo, "é aquele que apostou na luta contra o Estado Islâmico quando o Ocidente não poderia encontrar soluções e é visto como o único que está fazendo algo contra o terrorismo", disse Famil Ismailov.


Apesar de setores da oposição classificarem seu governo como repressivo, Putin restaurou o orgulho do povo russo, afirma Famil Ismailov. "Ele é visto como o único que pode impedir o ataque constante da visão americana de mundo."




Militar




A intervenção na Síria não traz qualquer benefício militar, disse à BBC Mariano Aguirre. No entanto, a Rússia "estrategicamente disputa com os Estados Unidos para ser uma potência global."


Um dos problemas que a Rússia tem para se projetar como uma potência militar tem sido a idade de seus equipamentos bélicos e a falta de preparo do seu exército.


Para Famil Ismailov, o cenário sírio tem servido para a Rússia desenvolver e testar suas novas armas, e tem sido um treino excelente para os militares, especialmente para as unidades especiais.


"Sua frota naval lançou a partir do mar Cáspio com novos mísseis de longo alcance que sobrevoaram o território iraniano e iraquiano e fizeram um impacto considerável e preciso em alvos na Síria. Esses ataques foram considerados um grande sucesso, do ponto de vista militar e de prestígio."


Além disso, a Rússia enviou ao Mediterrâneo uma frota naval que escoltou o porta-aviões Kuznetsov à costa da Síria.


Embora o Kuznetsov seja uma embarcação velha, ele está servindo para lançar voos de reconhecimento e ataque. Mais importante ainda é que sua equipe está recebendo treinamento em um conflito atual, o que não se compara a uma academia.




Econômico




A aventura na Síria "é uma grande despesa", na opinião de Mariano Aguirre, "e com um custo político numa forte crescente, dado que 20% da sociedade russa se opõe ao envolvimento na guerra na Síria."


O encargo financeiro é particularmente oneroso porque a economia russa continua a depender fundamentalmente de petróleo.


Neste contexto, é talvez uma sorte que o G7 decidiu não impor novas sanções contra Moscou. Ele explicou que o grupo de nações não teve a intenção de isolar a Rússia.


Mas também pode ser um reconhecimento à presença de Putin na Síria após o grande investimento a longo prazo que foi feito e comprovado com a construção de bases militares e melhorias de outras.


A base aérea de Khmeimim, na costa do Mediterrâneo, foi construída em 2015. Embora ela compartilhe algumas instalações com a Força Aérea da Síria, o acesso a ela é exclusivo para funcionários russos.


Moscou assinou um contrato de arrendamento com a Síria por 49 anos, renováveis ​​por 25 anos - o primeiro pacto desse tipo a longo prazo no país.


Além disso, a base naval em Tartus, antes uma pequena instalação para manter a frota russa, foi expandida para funções completas de reabastecimento e manutenção, sem a necessidade de navios de guerra precisarem voltar para sua base no Mar Negro através dos estreitos turcos.


Pela primeira vez, a Rússia juntou empresas privadas para operações, treinamento e segurança, disse Ismailov. Elas são compostas de militares aposentados que voltaram a atuar por contratos lucrativos.


Além disso, "as armas russas são fortes no mercado e suas vendas estão no céu", disse ele.




Pessoal




O aspecto pessoal é um dos fatores cruciais na incursão de Vladimir Putin no conflito sírio.


Preservar o seu legado, seu prestígio e seu orgulho são grandes motivações para o presidente, cujo ego e narcisismo têm sido objeto de análise constante na imprensa.


O ponto é que os Estados Unidos acabam de eleger um presidente com um ego e narcisismo comparável.


Em um confronto de dois presidentes, ninguém vai dar o braço a torcer facilmente. De acordo com Ismailov, "é uma questão de quem é mais 'macho'".


Pelo menos na Rússia, não está claro quem é: "Para muitos russos, Putin é o homem do momento", disse o editor do serviço russo da BBC.


Sendo assim, Mariano Aguirre não acredita que a política de Putin na Síria vai mudar em breve.


"Inicialmente, não acho que ele recuou. A sua credibilidade perante a sociedade russa está em questão", concluiu o analista.

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