João Baptista Herkenhoff
Há pessoas que
nunca falam sobre si mesmo, sobre coisas que fizeram ou deixaram de fazer.
Entendem que o recato é virtude.
Outras
pessoas não se importam em relatar suas aventuras ou desventuras. Fazem-no com
naturalidade.
Diante da
decisão de depor ou calar creio que haja uma circunstância fundamental: essa
pessoa que vai falar, ou ficar quieta no seu canto, é uma pessoa jovem ou
idosa?
Se é um
jovem talvez o melhor seja mesmo guardar sigilo, como os mineiros, daquela
forma genialmente descrita pelo mineiro Carlos Drummond de Andrade: “As
montanhas escondem o que é Minas. Ninguém sabe Minas. Só os mineiros sabem. E
não dizem nem a si mesmos o irrevelável segredo chamado Minas.”
Se é idoso
tudo muda: até quando estará vivo para depor?
Daí que, a
meu ver, um dos mais importantes deveres das pessoas mais velhas é o de prestar
depoimento, não importando a profissão que exerceram ou ainda estejam
exercendo.
Fundamental,
para que o depoimento seja válido, é que seja sincero, ainda que possamos
incorrer em falhas ou omissões por lapso de memória. Aliás, ter alguns
esquecimentos é um dos direitos das pessoas de Terceira Idade.
O
depoimento que presto a refere-se a um aspecto da vida, a uma atividade
desempenhada.
Fui membro da
Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, convidado para esse
encargo pelos bispos Dom João Baptista da Mota e Albuquerque e Dom Luís Gonzaga
Fernandes. Naqueles tempos, em inúmeras situações concretas, a palavra oficial
da Igreja foi expressada pela Comissão Justiça e Paz, por entenderem os
Bispos que, diante de algumas matérias, a palavra mais apropriada devia ser
dita por um organismo eclesial leigo.
Depois de
convocado para a CJP pelos Bispos, fui eleito presidente pelos companheiros que
integravam referida Comissão.
Pelo fato de
estar exercendo a presidência da Comissão de Justiça e Paz respondi a processo
perante o Conselho Superior da Magistratura.
Interpretando
literalmente a lei, concluíam os desembargadores que magistrado da ativa não
podia presidir associações. Não entenderam, ou não quiseram entender, que a
Comissão de Justiça e Paz não era uma associação, mas um organismo de Igreja.
Quando recebi a
intimação para a audiência, telefonei para Dom Luís Fernandes pedindo que me
aconselhasse sobre como eu deveria me defender. Ele foi direto, como era do seu
feitio. Abra o Evangelho e leia aquela passagem: Quando fordes chamado a
tribunal por causa do meu nome, não vos preocupeis com o que haveis de dizer. O
Espírito vos soprará. Obedeci. Veio a
inspiração na hora. Invoquei a inviolabilidade de consciência para me
isentar de punição. Graças à opinião do Desembargador Homero Mafra, o processo
foi arquivado.
O Brasil estava
então sob ditadura. A CJP posicionou-se contra todos os abusos que então eram praticados. Os
membros da Comissão enfrentamos perigos. O maior sofrimento pessoal que tive
foi a ameaça de sequestro de meu filho único.
Um
dos heróicos membros da Comissão foi o Dr. Ewerton Montenegro Guimarães, que
lutou bravamente contra o Esquadrão da Morte. Certo dia o Dr. Ewerton me disse
que tinha dúvida de Fé, não tinha certeza da existência de Deus. Respondi: meu
caro Ewerton, a Fé não é uma proclamação verbal. Você é um homem de Fé porque
sua vida é uma vida de luta pela Justiça e a Justiça é manifestação de Deus.
Tem Fé quem ama o próximo, mesmo sem proclamar o nome de Deus. Não tem Fé quem
bate com a mão no peito e ignora o sofrimento dos irmãos.
João Baptista Herkenhoff, Juiz
aposentado, professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
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