Fui
questionado por uma inteligente jornalista sobre uma lei, em andamento
no Congresso, que excluirá o consumo de drogas do rol de crimes.
A
Comissão de Juristas, que está elaborando projeto de reforma do Código
Penal, aprovou a descriminalização do uso de drogas. As pessoas que
forem flagradas com pequenas quantidades de entorpecentes para uso próprio
(consumo para um período de cinco dias) não poderão mais ser presas.
Esta proposta me parece tímida neste ponto em que limita a posse lícita
para uma estimativa de cinco dias. Melhor seria deixar este pormenor a
critério do juiz, pelo motivo que será explicado adiante.
Ser
hoje inquirido sobre a conveniência ou inconveniência de
descriminalizar o porte e o uso da maconha e outras drogas me dá a
sensação de um mergulho no túnel do tempo, de uma volta a passado
longínquo.
Em 1976, em pleno regime militar, logo após a edição, pela ditadura, da Lei 6368/76, manifestei-me contra a inovação infeliz. Eu era então juiz em plena atividade.
Os
jornais da época registraram meu protesto (discretamente porque
vigorava a censura). Nos cartórios estão minhas sentenças, encontrando
sempre caminhos hermenêuticos para absolver os usuários de droga. Mesmo a
questão da quantidade de entorpecente, em poder do viciado, é relativa.
Lembro-me de um acusado que declarou manter em sua residência um
estoque para uso prolongado, a fim de não ser explorado no preço.
Contudo só fumava nos fins de semana. Constatei que ele falava a
verdade. Convém, sobretudo aos jornalistas, pesquisar esses documentos
com muito zelo porque um povo, uma comunidade, as pessoas precisam de
ter História. Povo sem história é povo sem identidade, sem referencial, é
povo que confunde algoz e vítima, perseguido e perseguidor.
O consumo de tóxicos não era crime antes. Crime sempre foi o tráfico. A capitulação do consumo como crime teve objetivo político. Permitiu
que muitos jovens fossem presos com base em flagrante forjado, para
perseguir aqueles que não rezavam pela cartilha do regime de exceção.
Punir
alguém que consome droga só aumenta o sofrimento da pessoa. Em primeiro
lugar, lança sobre ela um estigma: maconheiro. O processo penal só
dificultará o apoio que os drogados precisam receber da sociedade, da
família, das instituições.
Suprimir a capitulação penal que massacra o usuário de drogas merece aplausos. Apenas
é um conserto na lei que se faz com muito atraso, depois de ter causado
males imensos a muita gente. Mas, de qualquer forma, melhor tarde do
que nunca.
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