Somente nos períodos eleitorais os brasileiros são
alertados, incentivados e enaltecidos sobre o exercício do voto. Esse
patriotismo sazonal começa pela própria Justiça Eleitoral a convocar todos a
votar. Faz referência ao exercício do voto limpo, alerta para não votar nulo
nem em branco, o que representa a posição da Justiça Eleitoral e torna sua
interferência tendenciosa.
Todo eleitor maior de 18 anos e com menos de 70 é
obrigado a votar. Se não comparecer na votação paga multa ou justifica a
ausência. Compete somente a ele avaliar se algum partido ou candidato é
merecedor da sua confiança, do seu voto. Proporcionalmente, também é livre para
anular ou votar em branco, já que ambos têm o mesmo efeito jurídico e são
legalmente possíveis. Nem mesmo a Justiça Eleitoral esclarece que o valor da
multa é de R$ 3,50 em média por turno e supre todos os efeitos do voto. Menos o
de escolher alguém, como parece óbvio.
Apelos motivacionais vêm de todos os lados. Imprensa,
partidos e candidatos fazem de tudo para levar o cidadão a mostrar sua
“consciência política” para apertar uma tecla a favor de um concorrente.
Passadas as eleições, ninguém lembra que a politização cobrada no período
eleitoral deveria ser adquirida anteriormente.
Um cidadão comum não exerce atividade partidária. Nem ele
procura nem os partidos se fazem presentes e nem uma palavra na mídia. Ninguém
sabe de alguma coisa feita por um partido, além de apresentar candidatos aos
cargos eletivos. Não sabem sequer onde ficam as sedes, muito menos as
ideologias defendidas, considerando o conceito histórico, já que hoje impera o
fisiologismo geral, camuflado por sinônimos como governabilidade, coligações e
maior horário eleitoral na TV.
Mas a questão aqui é o exagero com que a maioria dos
formadores de opinião restringe cidadania, politização e voto consciente apenas
ao ato de votar. Não, definitivamente não! Uma coisa é uma coisa, outra coisa é
outra coisa.
José Afonso da Silva, o papa dos constitucionalistas,
lidera uma corrente teórica de que o voto é facultativo, pois a obrigação se
limita ao comparecimento às urnas, mas dentro dela a pessoa é livre para votar
em quem preferir. Dispensa comentário, pois se a pessoa fosse obrigada a votar
em alguém poderia ser qualquer outra coisa, menos uma eleição.
Nenhuma entidade fomenta a participação popular fora do
período eleitoral. Nem a Ordem dos Advogados do Brasil nem a União Nacional dos
estudantes e nenhuma igreja. Cada uma se defende sob o argumento de que tem
outras atribuições.
Ao menos em momentos curtos essa participação poderia ser
incentivada, despertada, cobrada. Por exemplo, em datas comemorativas como num
da Independência do Brasil, desfile de Sete de Setembro; nos aniversários
comemorativos da Proclamação da república, XV de Novembro, do Dia de
Tiradentes, Dia do Trabalhador e da Mulher.
Os defensores da obrigatoriedade tomam como base um
comparecimento maior às urnas, o que legitimaria um pouco mais os eleitos. Essa
posição pode camuflar outros interesses. Mesmo cem por cento de comparecimento
obrigatório não representa legitimidade.
Transcrevo tese defendida por mim, em 1986, num trabalho
escolar com vista a demonstrar a importância do voto. Fiz um círculo sem
nenhuma brecha com várias cobras venenosas de plástico. À época os candidatos
eram muitos. Cada serpente recebera o nome de um candidato. No centro do
círculo colocara um sapo representando o eleitor. O dia da eleição seria o dia
que esse sapo resolveria sair do círculo. Morreria envenenado por qualquer uma,
mas teria o democrático direito de escolher qual serpente lhe envenenaria. Com
o modelo de funcionamento dos partidos políticos e do sistema eleitoral, nada pode
ser mais simbólica sobre a importância exagerada dada ao voto do que essa
liberdade de saída desse sapo.
Grande parte dos renomados e dos formadores de opinião
defende a obrigatoriedade devido à despolitização do eleitor brasileiro.
Ninguém cita uma única iniciativa para politizá-lo, até porque não existe
mesmo. O Brasil caminha para ser o último a extinguir o voto obrigatório.
Em si, o voto obrigatório já é uma contradição numa
democracia. Um eleitor que deixar apenas de votar no Brasil democrático, por
não poder tirar passaporte, fica impossibilitado de entrar na autoritária
Venezuela, onde o voto é facultativo e o comparecimento na última eleição foi
maior do que nas obrigatórias eleições municipais brasileiras. Voto é só um dos
elementos da cidadania e de democracia, e apenas se não for obrigatório.
Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Bacharel em
direito
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